Caros leitores, advogados e futuros advogados, um dos temas que temos tratado rotineiramente nas redes sociais e na Coordenação de "Novos Mercados e Gestão" da Comissão Estadual do Jovem Advogado é o COMPLIANCE. Inclusive, foi um dos temas do I Encontro Estadual de Novos Mercados da OAB SP organizado pela Comissão. Hoje trago um texto, inicialmente publicado no "Estadão" de autoria de uma colega, a advogada Alessandra Gonsales, que tem um enfoque muito relevante sobre o tema. Vale a leitura! Deixe seus comentários!
Programa efetivo
de compliance, o que já era uma necessidade para algumas empresas, passou a ser
para todas
por Alessandra Gonsales *
Desde a promulgação da Lei n. 12.846/2013 (lei essa que passou a
ser conhecida como nova Lei Anticorrupção Brasileira, apesar de responsabilizar
as pessoas jurídicas que praticarem não só atos de corrupção, mas diversos os
atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira previstos em seu
artigo 5º) muito tem se falado sobre a necessidade de criação de um programa de
compliance pelas empresas brasileiras.
É verdade que a lei, que entrará em vigor no final de janeiro de
2014, trouxe uma novidade que é a responsabilização objetiva (ou seja,
independente de dolo ou culpa) da pessoa jurídica e consequente previsão de
diversas penalidades administrativas e judiciais, inclusive multas altíssimas e
até a possibilidade de suspensão ou interdição parcial das atividades.
E, ainda, que a existência de um programa efetivo de compliance,
de acordo com o artigo 7º, inciso VII da lei, será levado em consideração na
aplicação das sanções. Os parâmetros para avaliação desse programa ainda estão
sendo regulamentos pelo Poder Executivo Federal, tendo a CGU- Controladoria
Geral da União ficado com essa incumbência.
No entanto, as empresas brasileiras cujos grupos econômicos
possuam sociedades constituídas no exterior, principalmente nos EUA e
Inglaterra, países que possuem leis rigorosas que contemplam penalidades
severas contra atos de corrupção praticados fora de seu território, e aquelas
que possuem uma relação direta com empresas das referidas localidades, como é o
caso de distribuidores e representantes comerciais, já deveriam ter um programa
de compliance há muito tempo.
Para entendermos melhor o acima mencionado, vamos analisar
separadamente o FCPA - Foreign Corruption Practice ACT e o UK Bribery Act,
respectivamente, as legislações americana e britânica anticorrupção.
O FCPA contempla duas partes. Uma delas denominada
"Accounting Provisions", que são as disposições relativas às
demonstrações financeiras. Todo o emissor, ou seja, toda a empresa americana
cujos seus valores mobiliários sejam negociados em bolsa de valores nos EUA
deve manter de forma precisa e detalhada os livros e registros contábeis e um
sistema interno de controles contábeis e, ainda, inibir atividades
ilegais. E, a outra denominada "Anti-Bribery Provisions", que
são as disposições relativas a atos de corrupção.
De acordo com o FCPA, é ilegal pagar ou oferecer como pagamento
qualquer valor para uma autoridade governamental estrangeira (não americana)
para obter ou reter negócios ou assegurar uma vantagem indevida. O relevante
das "Anti-Bribery Provisions" é que elas são aplicáveis a qualquer
emissor (conforme definido acima) e, ainda, a qualquer empresa, associação,
organização ou sociedade organizada constituída conforme as leis americanas ou
em território americano e a pessoas e entidades estrangeiras que atuam no
território norte-americano.
Isso significa que, se uma empresa americana poderá ser
penalizada, com base no FCPA, caso qualquer empresa do seu grupo econômico,
inclusive uma subsidiária brasileira, pratique ato de corrupção fora dos EUA.
E, para piorar, a empresa americana também será penalizada se qualquer
terceiro, que tenha poderes para representa-la/ agir em seu nome, como
representantes comerciais ou distribuidores, pratique atos de corrupção fora
dos EUA, inclusive no Brasil.
Já no caso da UK Bribery Act, não há as "Accounting
Provisions", mas o escopo desta lei é maior, pois penalizada atos de
corrupção publica ou privada, ou seja, não só a corrupção de tenha envolvimento
de agente público, mas também aquela realizada entre empresas.
Com base na UK Bribery Act, serão penalizadas tanto as
organizações ou sociedades constituídas no Reino Unido como aquelas que apenas
"desenvolvam um negócio, ou parte de um negócio, em qualquer parte do
Reino Unido" se praticarem ato de corrupção pública ou privada dentro ou
fora do Reino Unido, inclusive no Brasil.
Trazendo alguns exemplos recentes das implicações dessas
legislações internacionais, verificamos alguns casos de empresas americanas que
foram acusadas pela prática de atos de corrupção fora dos Estados Unidos e
efetuaram acordos milionários com a SEC - Securities Exchange Comission (a
Comissao de Valores Mobiliarios Americana) em 2012 e 2013:
- Stryker concordou em pagar mais de US$ 13 milhões de dólares
em decorrência de atos de corrupção praticados na Argentina, Grécia, México,
Polônia e Romênia.
- Total S.A. concordou em pagar mais de US$398 milhões de
dólares em decorrência de atos de corrupção praticados no Irã.
- Eli Lilly concordou em pagar mais de US$ 29 milhões de dólares
em decorrência de atos de corrupção praticados na Rússia, Brasil, China e
Polônia.
- Biomet concordou em pagar mais de US$ 22 milhões de dólares em
decorrência de atos de corrupção praticados na Argentina, Brasil e China.
Esses exemplos demonstram que as penalidades a que as empresas
multinacionais já estão atualmente sujeitas são altíssimas. Um fato curioso é
que, recentemente, a Prefeitura de São Paulo informou que vai denunciar às
autoridades dos Estados Unidos as construtoras que atuam no exterior sobre a
participação do esquema, atualmente em investigação, de propina e fraude no
cálculo do Imposto Sobre Serviços (ISS). Geralmente, as investigações são
iniciadas pelas autoridades estrangeiras, mas, nesse caso, as investigações
foram realizadas no Brasil e será a autoridade municipal de São Paulo que
avisará as autoridades americanas sobre os atos de corrupção. Isso significa
que, além das penalidades a que as empresas que comprovadamente estavam
envolvidas neste esquema estarão submetidas no Brasil, as suas matrizes nos EUA
também serão provavelmente penalizadas.
O que então muda com a entrada em vigor, no inicio do ano que vem,
da Lei n. 12.846/2013? Além das penalidades (como vimos altíssimos) a que as
empresas estrangeiras já estão sujeitas, em decorrência das legislações dos
países onde estão constituídas (ou seja, essas empresas, suas subsidiarias e
terceiros que as representam já deveriam ter o compliance como tema de
altíssima preocupação), as suas subsidiarias estarão sujeitas seguintes
penalidades administrativas, independentemente das eventuais penalidades
judiciais que também serão submetidas (perdimento dos bens/valores que
representem vantagem ou proveito obtidos da infração; suspensão ou interdição
parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica;
proibição de receber incentivos, doações ou empréstimos de órgãos ou
instituições financeiras públicas pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos,
entre outros):
- multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por
cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do
processo administrativo, nunca será inferior à vantagem auferida, quando for
possível sua estimação;
-publicação extraordinária da decisão condenatória;
- multa no valor de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00, se não for
possível utilizar o critério do faturamento.
E, o que muda para as outras entidades brasileiras que não
estão, direta ou indiretamente (como representantes comerciais ou
distribuidores) sujeitos às legislações internacionais? Essas entidades,
independentemente de seu tipo societário, mesmo que constituídas em forma de
associação ou fundação sem fins lucrativos, estarão sujeitas as penalidades
administrativas e judiciais acima mencionadas.
Para essas entidades, compliance passou a ser um tema relevante,
pois terão que criar ou aperfeiçoar (se já existentes) mecanismos para evitar a
ocorrência de atos contra a administração publica. E, caso, qualquer de seus
colaboradores pratique qualquer dos atos previstos na Lei n. 12.846/2013 (o que
sempre é um risco possível, mesmo que mitigado com programas robustos de
compliance), é fundamental que possuam programas efetivos de compliance que
possam ser utilizados para atenuar as penalidades a que estarão sujeitas.
*Graduada em Direito pela PUC-SP; Pós-Graduada em Direito
Empresarial pela PUC-SP; Mestre em Direito Comercial, tendo conduzido suas
pesquisas na Universidade de Harvard - Boston/EUA e MBA pela FGV/SP. Professora
dos Cursos de Pós-Graduação da Unisal e da UFRJ. Sócia Fundadora da revista
LEC. É sócia no escritório WFARIA Advocacia
Em breve lançaremos pela Editora Saraiva um livro sobre gestão de carreira e gestão de escritórios, fique ligado!
Advocacia Hoje Luis Fernando Rabelo Chacon @LuisFRChacon
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